Fake news: a desinformação e a infodemia na saúde.

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Em tempos de velocidade de comunicação observamos, cada vez mais, a ocorrência de dois tipos de situações preocupantes como consequência do compartilhamento de “Fake news”: 

 1- A desinformação: esforço deliberado para a circulação de “fake news” com o propósito de ganho financeiro, poder ou reputação; 

2- A infodemia: segundo a OMS, trata-se de excesso de informação, inclusive esforços para minar respostas relativas à saúde pública. 

Em 27 de Julho de 2020, o então presidente norte-americano Donald Trump retweetou, para os seus 84 milhões de seguidores no Twitter, um vídeo publicado pelo site americano de notícias de extrema direita, Breitbart.

O conteúdo do vídeo promovia o uso de Hidroxicloroquina, droga indicada para o tratamento de Malária, como uma forma eficaz de tratamento contra o SARS-COV 2, ou seja, o vírus responsável pela pandemia mundial de COVID-19.

Nesse vídeo, a Dra. Stella Immanuel, membro da instituição denominada America´s Frontline Doctors, promovia que uma combinação de Hidroxicloroquina, Zinco e Azitromicina (um antibiótico) poderia curar a COVID-19.

Após o retweet, o presidente Donald Trump teve a sua conta temporariamente suspensa pelo Twitter. A medida foi tomada sob a alegação de disseminação de “fake news”, ou seja, pelo conteúdo do Tweet promover a desinformação para a população.

Não foi a primeira vez que o presidente Trump promoveu a desinformação acerca do tema COVID-19. Em situações anteriores, o presidente já havia promovido o uso da Hidroxicloroquina em eventos públicos, assim como tweetado que a droga poderia ser considerada como “game changer”. Trump, inclusive, chegou a afirmar publicamente que estava utilizando uma combinação de Hidroxicloroquina e Zinco como forma de prevenção contra a COVID-19.

Já existem estudos, inclusive um realizado em 34 hospitais nos Estados Unidos, em que não foram evidenciados desfechos clínicos favoráveis em pacientes com COVID-19 e que foram tratados com Hidroxicloroquina. Self et al. Jama 2020.

Um texto citado pela revista “Lancet Digital Health”, observou os efeitos após o retweet do vídeo da American Frontline Doctors pelo presidente Trump, em 27 de Julho de 2020. Após o compartilhamento do vídeo, a plataforma Twitter registrou um pico de tweets relacionados ao tema “Hidroxicloroquina”. 

Para se ter uma noção do impacto do retweet do presidente Trump, no período compreendido entre 21/07 a 30/07/20, o Twitter registrou, em sua data base, um volume de 2 771 730 tweets. 91% destes foram relacionados ao tema Hidroxicloroquina e com ocorrência posterior ao compartilhamento do vídeo pelo presidente.

A análise dos dados referente ao perfil dos usuários que retuitaram o presidente Trump mostrou que, em média, os mesmos tinham 2294 seguidores e seguiam 1644 usuários, além de terem conta na plataforma Twitter há, aproximadamente, 5,5 anos. Isso, reduz a possibilidade de que esse pico de retweet tenha sido ocasionado por bots. 

Nesse caso, podemos observar a ocorrência das duas situações, citadas no início deste texto, em decorrência do compartilhamento de “fake news”: a desinformação e a infodemia. Isso tem desdobramentos importantes na sociedade. Até mesmo os comentários relacionados aos tweets podem ser compartilhados, influenciar pessoas, e até catalisar movimentos online como o “Make #hydroxychloroquine OTC! It can prevent and is cheap!”.

 Os tweets contendo desinformação podem inclusive conter links que ampliam a divulgação de “fake news” para outras plataformas como Youtube, Facebook, Instagram e WhatsApp. Esse fato promove a Medicina baseada em opinião de celebridades e da mídia, ao invés do padrão-ouro que é a Medicina baseada em evidências. 

Exemplos de desinformação e infodemia provocadas por “fake news” são vastas na internet como a ideia compartilhada de que a semente de damasco pode curar cânceres. Esse é um exemplo que carece de comprovação científica e que ainda pode proporcionar dano à saúde. O fato é que as sementes de damasco podem, inclusive, proporcionar intoxicação por cianeto, em determinadas circunstâncias, como após a ingestão excessiva. 

Outros exemplos de desinformação e infodemia proporcionados pelas “fake news” também podem ser vistos na comunidade científica. A própria revista “The Lancet” publicou um trabalho em 1998, em que a vacina SRC (sarampo, rubéola, caxumba) foi associada à ocorrência de autismo em crianças e esse conceito foi erroneamente popularizado na época. 

No passado, antes da adoção em massa da internet, a propagação de “fake news” também ocorria, porém em menor escala e velocidade de compartilhamento. Por exemplo, a marca Listerine, durante o período compreendido entre 1921 a 1974, propagandeava que o seu produto de higiene bucal era capaz de curar resfriados e dores de garganta. 

Da mesma maneira em 1950, o consenso de especialistas indicava que a Talidomida era considerada uma boa opção terapêutica para o tratamento de enjoo matinal em gestantes. A droga foi distribuída em 46 países e em pouco tempo tornou-se prova de um dos maiores equívocos da comunidade científica. Mais de 10.000 crianças nasceram com malformações devido ao uso da Talidomida por suas mães durante a gestação.

As plataformas estão aperfeiçoando seus mecanismos para coibir a desinformação, inclusive com medidas suspensivas, como ocorreu com o presidente Trump, que teve a sua conta excluída do Tweeter em Janeiro de 21. Porém, a velocidade da disseminação da informação faz com que o efeito maligno das “fake news” permaneça na rede através do compartilhamento por outros usuários.

A exclusão de perfis propagadores de “fake news” é apenas uma das estratégias para coibir a desinformação e a infodemia na sociedade. Organizações como a OMS, ONU, Unicef, assim como os stakeholders de plataformas já estão se mobilizando para que haja um esforço conjunto na tentativa de coibir a propagação de “fake news”, principalmente aquelas que possam denegrir a saúde das pessoas.   

Além da velocidade de propagação das “fake news”, é sabido que a maioria das pessoas ainda não sabem pesquisar corretamente na internet. Isso é um fato. De acordo com um artigo publicado na revista Anual review, Keselman et al. realizaram um estudo em que observou-se um grupo de pessoas leigas pesquisando informações na net sobre uma situação hipotética de dor precordial anginosa (típico de sintoma de doença de origem cardíaca). 

De acordo com os resultados do estudo de Keselman et al., percebeu-se a ocorrência do viés de confirmação, ou seja, as pessoas leigas tentam aprofundar as buscas em tópicos em que elas mesmas julgaram ser verdadeiramente relacionados ao motivo da busca. É uma estratégia não intencional que procura buscar o maior número de informações para reforçar as crenças pessoais. Isso pode contribuir para o compartilhamento de “fake news”.

Além disso, sabemos que textos científicos trazem menos engajamento ao público que matérias da mídia em geral, isso deve-se ao fato de que existe uma tendência humana em compartilhar textos com conteúdo sensacionalista, surpreendente ou visualmente atrativos. Uma mudança nesse paradigma precisa acontecer. Os cientistas precisam estreitar o relacionamento com a mídia e vice-versa. Os textos com informações relevantes e para amplo conhecimento devem ser prazerosos de serem lidos e escritos com linguagem acessível a maioria das pessoas.

 A ciência precisa ser democratizada como uma das importantes estratégias para coibir as “fake news” e consequentemente a desinformação e a infodemia. A pandemia de COVID-19 com certeza trouxe ensinamentos nesse aspecto para a população mundial.

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