Em 2007, tivemos o lançamento mundial do primeiro smartphone. O aparelho foi concebido pela Apple sob a direção, “nada mais nada menos”, que do senhor Steve Jobs. Desde então, muita coisa mudou no dia a dia da civilização contemporânea e os smartphones se tornaram um item de primeira necessidade pela sociedade, sendo que hoje, temos mais aparelhos celulares que escovas de dentes no mundo.
Mas, como isso impactou o acesso à saúde? Quais são as mudanças que veremos nos prontuários, no atendimento, no compartilhamento de dados e no empoderamento dos pacientes? A saúde está sendo democratizada? Esse post é baseado nas ideias do livro “The patient we will see now” do cardiologista Eric Topol, lançado em 2015.
Sabemos que, hoje, o indivíduo está no centro do poder. O lançamento dos smartphones contribuiu imensamente para que isso se tornasse uma realidade. A conectividade, a fluidez da informação, o armazenamento, o compartilhamento e a personalização dos dados são características desses aparelhos que empoderam as pessoas e favorecem o “humanocentrismo” dos tempos modernos.
Ainda não temos o hábito de refletir sobre o impacto dos smartphones na sociedade e especificamente na saúde, na Medicina. Tudo é muito rápido e torna-se uma árdua tarefa se manter 100% atualizado. O interessante sobre isso é que o paciente, pela primeira vez na história, está assumindo o papel de participante nas decisões clínicas, sendo empoderados pelos smartphones.
O gráfico abaixo extraído da revista “The Economist” traz uma reflexão interessante sobre a rapidez da adoção de novas tecnologias pela sociedade. Observa-se que, a eletricidade demorou 46 anos para que fosse utilizada por ¼ da população norte-americana. Em contrapartida, os smartphones foram adotados pela mesma proporção de americanos em apenas 2 anos.
Os smartphones podem auxiliar em vários pontos da jornada do paciente. Com esses aparelhos, hoje podemos realizar agendamento online, pesquisar sobre a validação social dos profissionais, fazer consultas por telemedicina, realizar o diagnóstico de doenças e até mesmo ser assessorado sobre a melhor conduta clínica, graças a modernos algoritmos.
Hoje, a revolução que está sendo presenciada pela nossa geração com o advento dos smartphones pode ser comparada ao impacto social causado pela invenção da tipografia por Johannes Gutenberg por volta de 1440, na cidade de Mainz, na Alemanha. A tipografia tornou possível a impressão mecânica de livros.
Para se ter uma ideia da revolução social proporcionada pela tipografia na idade média, vamos resumir algumas características daquela época. Em 1440, apenas 8% da população europeia sabia ler e escrever, os livros eram escassos e escritos manualmente. O valor médio de um livro era em torno de 20 mil dólares, apenas a elite dominante tinha acesso a esses manuscritos.
A elite era composta de nobres e membros do clero, sendo que a grande maioria da população europeia não tinha acesso a livros. O aprendizado, de uma forma geral, era transmitido através da escuta, e por isso o conhecimento não podia ser escalável. Era necessário ouvir para aprender, e a transmissão de conhecimento se dava de forma vertical, ou seja, de mestre para discípulo.
A revolução proporcionada pela tipografia, possibilitou que o conhecimento pudesse ser reprodutível em larga escala. O livro manuscrito que antes custava em torno de 20 mil dólares, teve o seu valor reduzido para algo em torno de 70 dólares, ou seja, uma redução média de 300 vezes.
A disseminação do conhecimento transformou o mundo para sempre. A propagação de ideais, de modelos de sociedade, de livros sagrados e de teorias científicas proporcionaram o acontecimento de diversos fatos históricos, que provavelmente não teriam acontecido sem a tipografia. O impacto da invenção de Johannes Gutenberg na sociedade pode ser resumida na figura abaixo:
Hoje, os smartphones proporcionam uma revolução na nossa sociedade moderna semelhante à tipografia de Gutenberg. Para se ter uma ideia da explosão de dispositivos em conexão com a internet, observe a representação na figura abaixo:
Atualmente, temos 6,58 dispositivos conectados à internet por pessoa, no mundo. Isso é o reflexo do impacto da 4º revolução industrial, que tem como principal característica a comunicação máquina – máquina. Fato proporcionado por uma simbiose de todas as tecnologias acumuladas até os dias de hoje.
Esse aumento de dispositivos conectados à internet ampliou o acesso ao conhecimento a nível global para qualquer pessoa com acesso a rede de internet e equipada com um smartphone. Cursos online, buscadores como Google, vídeos do Youtube, lives no Instagram, rede de network no Facebook e LinkedIn proporcionam uma troca absurda de informações, conhecimento e de notícias a nível global.
Logicamente, devemos esperar também uma mudança na relação entre médicos e pacientes. Uma vez exposto às transformações contemporâneas sociais que nos permeiam, nesse momento, proporcionadas pela tecnologia, em especial pelos smartphones.
O fato é: os médicos, geralmente, não gostam de pacientes espertos. Pacientes que consultam a internet, via desktop ou pelos seus smartphones em busca de respostas pela sua situação de saúde, muitas vezes são vistos com desconfiança, no momento das consultas médicas. Isso contribui para criar um imbróglio na relação médico-paciente.
Para entender o motivo desse desgaste contemporâneo na relação médico-paciente amplificada pelo advento dos smartphones e pela conectividade é preciso fazer um paralelo histórico para compreender a gênese milenar desse problema.
Até então, a Medicina era dominada pela lógica hipocrática. Isso é, uma relação de desproporcionalidade de conhecimento entre o médico e o paciente sobre o tema da saúde humana. O famoso bordão americano “doctor knows best” pode ser visto como uma forma de retratar esse fato.
Hipócrates é considerado o pai da Medicina. Ele foi responsável por mudar a concepção da época de que as doenças eram causadas por eventos sobrenaturais. O patrono iluminou o pensamento de médicos da antiguidade com o conceito de que o adoecimento do corpo é um processo decorrente de evento de causas naturais. Ele cunhou o termo câncer e ainda descreveu vários tipos de cânceres de pele, uma vez que naquela época não era permitido o estudo em cadáveres para avaliar “causa mortis” e assim descobrir outras origens do processo de adoecimento.
Hipócrates também acreditava que os conhecimentos médicos deviam ser mantidos somente entre médicos e não compartilhados com pacientes. A ideia de que o médico possui um conhecimento que não pode ser compreendido pelo paciente, coloca a medicina como paternalista e pouco democrática.
Segundo Hipócrates, os pacientes deviam obediência aos seus médicos uma vez que estes transmitiam ensinamentos divinos. A palavra “silêncio” é muito constante de ser ouvida na prática médica, e em algumas ocasiões pode reforçar a antiga relação paternalista que ainda persiste entre médicos e pacientes.
Para uma mudança de paradigma em prol da democratização da saúde, consequentemente da Medicina e para o fim do paternalismo em que o médico é tido como o detentor do conhecimento, a digitalização é o primeiro passo.
Em sequência é preciso que: todo indivíduo tenha acesso e guarda aos seus registros de saúde; que seja garantida a segurança e privacidade dos seus dados; que os pacientes sejam totalmente respeitados pelos seus médicos; que tenham acesso a escolha e a discussão de prontuários e a telemedicina; que tenham acesso e controle sobre as contas hospitalares e cobranças; que possam checar e fazer avaliações sobre o tipo de serviço de saúde oferecido como ocorre em qualquer outro tipo de serviço prestado dia a dia.
O veículo dessa transformação democrática na Medicina é o smartphone. Lógico que uma mudança na mentalidade da sociedade e do médico, é importante para que esse fato seja uma realidade. O celular é a porta de entrada para a MOOM (massive open online medicine).
Observe na figura abaixo a comparação do impacto na sociedade entre a tipografia e o smartphone. Verá que ambos têm atributos semelhantes e por isso podem ser considerados verdadeiros agentes transformadores da sociedade.
A atriz de Hollywood Angelina Jolie, recentemente, tornou-se um ícone mundial que reflete a democratização da Medicina amplificada por novas tecnologias. Ela, em decisão conjunta com sua equipe médica, optou pela realização de uma mastectomia (retirada das mamas) bilateral profilática. Isso devido a descoberta de uma mutação genética de origem familiar dos genes BRCA1 e BRCA2. A mutação nesses genes é responsável pelo desenvolvimento de câncer de mama e ovário e ocasionaram o óbito precoce de Marcheline Bertrand, mãe de Angelina.
O impacto causado pela decisão da atriz de retirar profilaticamente as mamas pode ser considerado um marco para essa democratização da Medicina, em que o paciente tem poder de decisão. Após a cirurgia de Jolie, outras mulheres se sentiram encorajadas e descobriram ser portadoras da mutação genética dos genes BRCA1 e BRCA2. As mesmas também realizaram mastectomias profiláticas em comum acordo com suas equipes médicas assistentes.
Novos tempos, e novas formas de agir. Você, colega médico, já refletiu sobre isso? Como o smartphone impacta o seu dia a dia de trabalho e a sua relação com seus pacientes? Está preparado para a democratização da Medicina?
Essa é a minha data, então essa é a minha escolha. Tempos modernos!
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